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1 de out. de 2022

Democracia

 


No texto a seguir vamos compreender, afinal, o que é democracia e porque nem com um e nem com o outro teremos uma democracia de verdade no país nos próximos 4 anos. 

Nesses tempos que um presidente sonha em dar um golpe de Estado e um ex-presidente (e ex-presidiário) sonha em voltar ao poder após chancela da Suprema Corte que sepultou todo o trabalho da Lava Jato (que prendeu dezenas de corruptos e devolveu bilhões aos cofres públicos, bilhões que foram afanados pela quadrilha vermelha em conluio com o Centrão que hoje governa o país com o atual presidente) precisamos compreender o perigo que a nossa democracia vivencia. 

Tecnicamente democracia existe não apenas quando os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) trabalham em harmonia mas sim quando todos eles e as demais instituições da República trabalham na busca do bem comum, do aperfeiçoamento das instituições tendo por objetivo primordial a eficiência no bom uso do dinheiro do pagador de impostos. 

Ameaçar a democracia não é apenas quando um protoditador ou um autocrata no comando de um país tenta fechar o Congresso e a Suprema Corte, essa é apenas a forma mais clara. Na verdade a ameaça mais perigosa é quando setores políticos e das forças armadas, ainda que não na sua totalidade, se deixam corromper (normalmente por dinheiro e poder de mando) e começam a trabalhar em conluio por um determinado projeto ou agenda que não apenas beneficie o seu grupo como, igualmente, garanta a sua perpetuação no poder. 

Se olharmos exemplos como o governo Putin ou o governo do falecido Chavez na Venezuela veremos exatamente essa dinâmica: uma maioria de politicos (Congresso) em conjunto com uma maioria de militares se uniu em um projeto de perpetuação no poder. O Congresso permaneceu aberto, com vários partidos (pluripartidarismo), porém as leis que eram criadas não visavam mais o bem comum, mas sim fortalecer os setores civis que serviam como sustentação da perpetuação do regime. Inevitavelmente nesse ambiente a corrupção se alastra pois nesses casos os órgãos de investigação, controle e o próprio poder de força (julgar e prender) não condenam e não punem aqueles que compõe o núcleo de poder, ao mesmo tempo que os adversários do regime são duramente perseguidos e condenados. 

Normalmente nesse tipo de projeto de poder que cria uma democracia de fachada já há dois fatores pré estabelecidos que favorecem a criação desse tipo de regime: o primeiro deles é uma corrupção já alastrada em boa medida nas instituições, política e forças armadas e o segundo fator é a baixa capacidade de engajamento popular contra corrupção e aqui entramos em um ponto crucial para entender a democracia e ao mesmo tempo como grupos políticos tentam desmobilizar o engajamento popular contra a corrupção. 

O primeiro ponto a ser compreendido é que as pessoas, o povão no geral, não está preocupado com a corrupção em si mas sim se as condições econômicas e sociais que o governo oferece ao grupo do qual essa pessoa faz parte serão boas ou não. Um exemplo prático é o agronegócio: na época do petismo, por conta das bases estratégicas e doutrinárias do partido, as invasões de terra (propriedades privadas) eram permitidas e até mesmo estimuladas ao mesmo tempo que a defesa legítima dos proprietários das terras era em boa medida combatida, ao mesmo tempo que uma série de órgãos reguladores aparelhados pelo governo vermelho dificultavam a produtividade de muitas terras por questões ambientais. Percebendo isso o atual governo mudou essa política e atraiu fortemente o apoio de produtores e grandes empresas ligadas ao agro. A mesma dinâmica aconteceu com a busca do atual governo pelo apoio dos evangélicos: como a agenda petista visava fortalecer o apoio de setores sociais mais progressistas nos costumes (agenda identitária) isso criou abertura para que um candidato com um discurso mais conservador nos costumes atraísse o apoio desse setor da sociedade. E o que isso significa? 

Significa que a maioria das pessoas, seja evangélica, ligada ao agronegócio ou a setores mais progressistas nos costumes na verdade não se importam, em sua maioria, com o tema corrupção, mas sim se o governo eleito vai favorecer o grupo majoritário ao qual fazem parte. 

A defesa, muitas vezes cega, de pessoas tanto em favor de Lula como Bolsonaro, fechando os olhos para evidências claras de corrupção e conluio com politicas corruptas e populistas se explica exatamente por isso: as pessoas não estão preocupadas se o governo vai combater a corrupção, se o governo vai combater os privilégios, mas sim se o grupo ao qual fazem parte será beneficiado pelo governo. 

Compreendendo isso percebemos que hoje as duas grandes forças populistas e corruptas que lutam pelo poder bebem exatamente da mesma fonte: enfraquecer o combate à corrupção e fortalecer os privilégios de Brasília e dos setores políticos federais, estaduais e municipais. Apesar de ambas as forças populistas lutarem pelo "controle do cofre", ambas governam juntas, mesmo com os derrotados nas urnas tendo menos poder. Recebem uma secrataria aqui, outra acolá, uma emenda secreta maior ou menor, mas continuam permitindo que o ambiente de corrupção se perpetue. E nesse ambiente o que mais interessa é manter a população dividida, pois se não é possível um grupo congregar um amplo apoio popular (como aconteceu com Putin e Chavez) ao menos, para esses dois grupos, a polarização favorece que as pessoas não se unam para combater o que realmente importa que é combater a corrupção e combater os privilégios. 

O movimento que vemos hoje, na verdade já no primeiro ano do governo Bolsonaro é de toda uma classe de políticos e poderosos de Brasília fazendo uma grande operação abafa contra a Lava Jato. A Lava Jato foi uma janela de oportunidade que surgiu, ironicamente, por uma falha estratégica do petismo: após os primeiros anos do governo Lula, que ele manteve o tripé macroeconomico do plano real (controle da inflação, dólar controlado pelo cambio flutuante e respeito ao teto de gastos) e ao mesmo tempo foi favorecido pelo crescimento enorme da China (boom das comodities) e o dólar barato (estratégia americana para favorecer as exportações americanas o que favoreceu o aumento do poder de compra interno do país sem comprometer as exportações que já estavam a pleno vapor pra China), tudo isso gerou não apenas pleno emprego no país e grande crescimento econômico como atiçou a gula dos corruptos criando o maior esquema de corrupção da história da humanidade (petrolão), só que ele só veio a tona devido a adoção, do mesmo governo petista, da fracassada politica desenvolvimentista keynesiana, que se iniciou nos últimos dois anos do governo Lula e seguiu no mandato da Dilma, só que nesse cenário com o dólar subindo e a China não comprando como comprava antes: já não havia mais dinheiro nem para os esquemas bilionários e sede de corrupção de vários entes políticos e nem para as bondades sociais, que poderiam ter continuado se o governo Lula tivesse aproveitado os anos de bonança para fazer as reformas necessárias (que não foram feitas) ao invés de acreditar que a farra das comodities seria eterna, assim como o dólar barato e todos poderiam manter os esquemas bilionários e distribuir benesses sociais sem qualquer preocupação. O dinheiro faltou e o “amor” acabou, tanto dos eleitores petistas acostumados com os avanços sociais e economicos do boom das comodities como dos corruptos, com a goela cada vez mais funda e que não aceitavam mais qualquer mixaria de propina. Começaram as reclamações, começaram a abrir o bico. 

A queda do padrão social e econômico é que permitiu a eclosão das manifestações, pois a maioria dos jovens dinâmicos (os primeiros a irem para as ruas) não estava cobrando contra a corrupção mas sim a falta dos benefícios sociais que eles não tinha mais de forma tão abundante (por conta do fim do dólar barato e do fim da explosão das comodities), o que gerou o enfraquecimento politico do petismo e abriu brecha para ampliar as investigações contra os esquemas de corrupção, pois a governanta diferentemente da raposa barbuda não tinha o traquejo politico para apaziguar a fome dos corruptos e resolveu, a época, abrir guerra contra o maior partido aliado do governo (o MDB) por conta do comando da Câmara o que gerou a oportunidade do impeachment. 

A maioria dos milhões que foram as ruas pela queda do governo petista e bradavam não ter políticos de estimação não estavam defendendo a democracia, nem combatendo corrupção e nem combatendo privilégios, na verdade a maioria estava ali apenas porque queria uma economia melhor e a volta de benefícios sociais. Bolsonaro teve a sagacidade de identificar que a maioria daqueles que estavam nas ruas contra o petismo eram, de alguma forma, ligados a grupos mais conservadores nos costumes (ou ao menos não simpatizante da excessiva lacração), ligados a grupos do agro em algum nível econômico e também as pessoas ligadas aos militares e policias tão demonizadas no governo petista e exatamente por essa sagacidade assumiu um discurso de antipetismo, como se a corrupção estivesse apenas no governo petista e ao mesmo tempo tomando pra si o mesmo manto da "virtude inquestionável" (que o petismo criou nos anos 80 como o partido diferente, o único contra a corrupção) e exatamente por isso mesmo quando logo nos primeiros seis meses de mandato se viu que Bolsonaro queria apenas salvar a pele da família de investigações de corrupção e ao mesmo tempo se manter no poder é que a maioria do povão que foi pra rua lutar pela queda do governo petista se tornou o mesmo povão ao defender o novo populista. 

É exatamente por isso que pessoas como Moro ou grupos como os procuradores de Curitiba são duramente atacados pelo sistema ou establishment. O Sistema é uma máquina poderosa demais pra ser vencida apenas por um homem ou um pequeno grupo de homens honestos, somente isso não basta. Ao mesmo tempo é preciso um amplo trabalho dos influenciadores e formadores de opinião para esclarecer as pessoas que a luta é contra a corrupção e contra os privilégios e não por eleger o politico ou governo que vai beneficiar mais o setor ao qual a pessoa faz parte, pois enquanto a corrupção e os privilégios não forem duramente combatidos pela população (exigindo leis claras e cobrando de forma ampla e coletiva) o que veremos é exatamente a manutenção e ampliação desse Sistema chancelado majoritariamente pelo Centrão, petistas e bolsonaristas. É esse Sistema descrito aqui que ameaça a democracia, não apenas uma tentativa clássica de golpe de Estado ou de ruptura institucional, a ameaça existe, pois já estamos em boa medida em uma democracia de fachada, contaminada por uma corrupção sistêmica e falta não apenas de engajamento da população na luta contra a corrupção e privilégios, mas especialmente pela falta da compreensão desse cenário por parte da maioria da população. 

Sem o aumento dessa conscientização da população não haverá como proteger a democracia do avanço cada vez maior da corrupção e dos privilégios. Os influenciadores e formadores de opinião que estão fora dessa polarização bolsopetista precisam se unir em um amplo trabalho de esclarecimento do povão, esclarecimento de que o verdadeiro mal, a verdadeira chaga que gera desigualdade social, pib fraco, crescimento da inflação e falta de investimento para melhorias sociais é exatamente a corrupção e os privilégios e que a única saída é cobrar de forma dura e constante qualquer governo eleito, seja de qual espectro for, por leis e ações claras contra a corrupção e contra os privilégios, sem politico de estimação, sem partido de estimação, sem ideologia de estimação. Preferências políticas e ideológicas todos temos mas elas não podem se converter em idolatria, voto de confiança não pode se tornar “cheque em branco” e nada pode estar acima da cobrança dos políticos pelo combate aos privilégios e combate a corrupção.  

Aconselho como complemento a leitura desse textão o texto que publiquei semanas atrás intitulado "A encruzilhada da República" (linkado a seguir):

https://www.facebook.com/photo?fbid=625045572312081