Caro leitor, caso você seja fã de Lula, Bolsonaro, Trump ou Putin aconselho fortemente que antes de ler esse textão respire fundo pra não passar muita raiva 😉.
Uma das ferramentas políticas mais poderosas do século 21 é a teoria da conspiração e muito disso se deve a recente (décadas recentes) popularização da telefonia e da internet. Há 30, 40 anos atrás as pessoas se informavam (ou desinformavam) através de mídias tradicionais, como jornais impressos, veículos televisivos e havia em grande medida uma elite intelectual estabelecida, formada por jornalistas, escritores e membros destacados da academia que mais facilmente pautavam a visão de mundo comum das pessoas. Ou seja, algum grande grupo político ter razoável controle sobre a narrativa era muito mais fácil do que é nos dias de hoje.
Seja em regimes democráticos ou em regimes que estão caminhando para se tornarem autocracias (o que acontece quando um grupo político destacado consegue amplo domínio e aparelhamento das instituições e de setores privados importantes ao ponto que nenhum outro grupo político possui mais força para rivalizar e impedir a sua perpetuação), seja qual for o caso o controle da narrativa sempre foi um dos objetivos primordiais que grupos políticos de caráter hegemônico buscaram ao longo da história.
Nas democracias esse controle da narrativa era importante para assegurar a eleição e caminho de perpetuação no poder, já nas democracias em processo de esfarelamento (como por exemplo na Venezuela no início do período Chavez) esse controle é importante para que o povo majoritariamente aceite que aquele determinado grupo possui a virtude inquestionável, ou seja, que seriam supostamente os únicos honestos lutando contra todos os demais grupos que denominam desonestos, sem a virtude. Massificar essa idéia do “partido diferente” ou “único defensor do povo e dos trabalhadores” foi utilizada tanto na escalada do partido nazi (partido nacional socialista dos trabalhadores da Alemanha) na época de Hitler como durante a ascensão do petismo nos anos 80. Ambos beberam da mesma fonte alemã de Karl Marx, ainda que depois de algum tempo o partido nazi tenha decidido romper com o marxismo (obviamente porque após atingir a supremacia não precisava mais usar do mesmo modus operandi como veremos nos parágrafos a seguir).
Ao longo da história normalmente os grupos políticos de caráter hegemônico (ou seja, que buscam exterminar qualquer oposição política e se perpetuarem no poder) adotavam dois caminhos bem definidos: o cultural ou revolucionário.
O revolucionário, seja pela via popular ou militar apresenta sempre um caráter anárquico ou antisistema, ou seja, a narrativa que tenta ser vendida à população é que o sistema político está totalmente dominado pelo mal e que somente um grupo político poderia salvar a população e a política do colapso absoluto. Quando esse grupo político consegue o apoio das forças de ordem (policias, militares, Judiciário) então se constrói a tomada clássica de poder, com um grupo político se tornando na prática os 3 poderes ao mesmo tempo assim como os demais poderes, partidos políticos e eleições passam a funcionar como mera fachada (como acontece por exemplo no regime de Putin e na própria Venezuela de Maduro atualmente).
Já quando esse grupo político não obtém apoio ou força necessária de forma majoritária dentro das forças de ordem (ou seja, não conta com o apoio da maioria de militares, policiais e instrumentos jurídicos com poder de condenação e prisão) ele precisa adotar o processo gradual de doutrinação cultural daquela determinada narrativa ao ponto que ela fique tão capilarizada e enraizada nos setores sensíveis da sociedade que permita o necessário apoio social para uma quebra da ordem constituída, ou seja, a criação de uma nova ordem de governo.
Tanto no Manifesto Comunista de Marx como nas obras de Gramsci toda essa estratégia é dissecada, apontando em Marx a necessidade de buscar o gradual controle dos meios de produção (pois é o mercado o gerador da riqueza) e em Gramsci o controle dos meios de disseminação cultural e das notícias. Controlar meios de produção não é necessariamente fazer com que o governo produza tudo, mas sim que vire sócio da maioria das empresas que produzam os principais e mais rentáveis serviços, o que vimos por exemplo na política dos “campeões nacionais” bancados por generosos empréstimos do BNDES nos mandatos anteriores de Lula e Dilma ou ainda na clássica doutrinação de professores e importantes centros acadêmicos (sobretudo ligados às áreas de humanas).
Ocorre que no amanhecer do século 21 alguns desses métodos de controle da narrativa perderam e vem perdendo cada vez mais parte da sua efetividade, o que explica sobretudo na América do Sul mas em todo o Ocidente um gradual enfraquecimento da esquerda clássica, um crescimento tanto da extrema direita como da centro direita e também um crescimento de uma esquerda mais ao centro, inclusive mesclando valores com a centro direita como vimos recentemente ao longo de todos os anos de governo de Angela Merkel ou ainda nas recentes eleições de Portugal.
Especialmente nos últimos 15 anos os meios de informação mais independentes vêm ganhando cada vez mais espaço, ou seja, a difusão para a grande maioria da população das informações que antes era restrita a poucos canais televisivos, poucos jornais ou até mesmo poucos portais de notícias, passou a ganhar muito mais força nas redes sociais, com pessoas muitas vezes procurando fontes de informação fora dos meios convencionais e “abrindo o leque” para novas fontes. Nos anos 90, começo dos anos 2000, atingir 50 mil, 100 mil pessoas, era algo que somente veículos televisivos ou de mídia tradicional impressa conseguiriam, hoje em dia qualquer canal com razoável capilaridade atinge esses números.
Tanto na eleição de Trump como Bolsonaro (o segundo inspirado pelo primeiro) as respectivas campanhas perceberam exatamente o poder de mobilização das redes sociais. Como expliquei amplamente em posts anteriores e também no livro novo “Protocolos do Fim do Mundo” (em praticamente 100 páginas sobre geopolítica) ambos os candidatos perceberam claramente que a maneira de conseguirem votos fiéis e engajamento seria atrair para as campanhas o eleitorado que não aguentasse mais a lacração cultural da esquerda, o que no Brasil representou atrair o eleitorado evangélico (cansado da massificação da ideologia de gênero), o eleitorado do agronegócio (cansado do discurso manso da esquerda contra a invasão da terra, dificultando a defesa da propriedade e trazendo excessiva eco-burocracia para empreender) e o eleitorado das policias e militares que notoriamente sempre foram vistos de forma negativa no discurso da esquerda.
Pra esses grupos, majoritariamente, o petismo e seus satélites representam o mal, pois combatem os valores que esses grupos julgam os corretos e exatamente por isso tais grupos defendem ardorosamente seus principais representantes, como os únicos possuidores da virtude (e portanto quem é contra eles é do mal), de que há todo um complô do “sistema” para destruí-los, que todo e qualquer julgamento que os culpe mesmo com abundância de provas é mera criação das “forças do mal”(curiosamente vimos o mesmo comportamento dos adoradores do Lula durante e após a sua prisão e também temos visto atualmente nas condenações de Trump na justiça americana).
Obviamente que tal fidelidade abre margem para a criação de teorias maniqueístas de santificação, como por exemplo Qanon, “restar mundial”, nas quais Trump, Putin e Bolsonaro seriam seres de luz lutando contra as trevas (quem discordar um milímetro deles é treva) e que somente seres da esquerda (ou anti trump) seriam do “deepstate” tentando criar um globalismo malvado que espalharia o comunismo no mundo.
Teve até gente divulgando por aí que Trump e Putin não apenas dariam um “restart economico” no mundo como distribuiriam bilhões para aqueles que fossem seus verdadeiros seguidores. Qanon (que rima com Bannon) e outras teorias da conspiração malucas se aproveitam exatamente da bolha e da visão messiânica que os seguidores encaram seus líderes políticos, o que aliás não é muito diferente da esquerda que cultua Bolsonaro como a personificação do mal enquanto Lula seria o messia do povo: o nordestino humilde pai dos pobres perseguido pelas “zelite” e se aproveitam dessa visão santificada de seus líderes para espalhar teorias sem o menor sentido, ainda que do lado da esquerda isso seja feito de forma mais instrumentalizada e organizada, pois são décadas criando um modus operandi de doutrinação enraizada e capilarizada, sobretudo dentro do jornalismo e instituições de ensino que defendem uma pauta política bem definida identificada com o petismo e seus satélites filosóficos (psol, pc do b e congêneres).
A TEORIA SEM SENTIDO DO GLOBALISMO E DA NOVA ORDEM MUNDIAL "GLOBALISTA"
Independente da sua visão de mundo caro leitor (seja a favor de Lula, ou a favor de Trump, Putin e Bolsonaro) temos fatos inquestionáveis, e contra fatos somente existem teorias sem sentido, que justamente pela falta de sustentação lógica e racional se tornam teorias da conspiração, teorias que servem para o único propósito de levar as pessoas a defenderem determinado grupo político, simples assim. Uma delas é a teoria conspiratória de que uma nova ordem mundial supostamente estaria nascendo por conta do globalismo. Então vamos, com fatos, implodir essa teoria da conspiração.
Temos atualmente três grandes grupos de poder (analisando poderio bélico, tecnológico e econômico): um desses grupos é formado pela aliança de EUA e Europa e que conta também com a participação de Israel. Esse grupo praticamente emergiu coeso após o fim da Segunda Guerra resolvendo os problemas históricos (e que resultaram nas duas grandes guerras) que envolviam Alemanha, Inglaterra, França e Itália, já que o maior temor tanto da Europa como EUA é que uma nova liderança de viés autocrático surgisse em uma grande potência européia e se aliasse aos russos criando uma enorme instabilidade na região com potencial de se alastrar pelo mundo. Ainda que a questão com a Alemanha realmente só tenha se resolvido com a queda do muro (quando definitivamente o modelo ocidental sobrepujou o modelo do leste europeu) é inegável que o grupo liderado pelos Estados Unidos teve amplo sucesso não apenas na questão da Alemanha como também do Japão (dois grandes adversários dos EUA na Guerra).
Esse grupo capitaneado pelos EUA é que estruturou a ordem mundial que existe desde então, ou seja, a moeda (dólar) assim como os principais organismos transnacionais que regem os acordos comerciais e leis internacionais são todos de caráter ocidental, ou seja, com controle de poder majoritário de EUA e Europa.
Por conta desse fato simples e facilmente verificável, podemos concluir que é uma teoria da conspiração sem sentido divulgar que a Europa através da zona do euro ou da união européia estaria supostamente tentando criar uma “nova ordem mundial” (simplesmente porque a ordem atual já existe há décadas e vem sendo controlada exatamente por esse grande grupo com os EUA) e que essa supostamente nova ordem mundial seria de organismos “globalistas comunistas” que desejaríam controlar o mundo, o que também não faz o menor sentido, pois tais organismos já controlam e regem as regras e leis internacionais e a maioria esmagadora das nações da união européia é de democracias, inclusive nas quais há uma minoria (e não maioria) de políticos de extrema esquerda ou de extrema direita (extremos de caráter hegemônico).
Mas Zé de onde surgiu essa idéia de “globalistas” tentando criar uma nova ordem mundial? Essa estrovenga emergiu de uma teoria criada pelo ideólogo de Putin, conhecido como Aleksander Dugin, que defende a tese de que China e Rússia além das demais nações do Oriente devem adotar a teoria dos estados nacionais, ou seja, que cada Estado (país, nação) teria o direito de reivindicar suas demandas históricas (como por exemplo China invadir Taiwan porque acha que o território é deles ou a Rússia invadir ex repúblicas soviéticas porque vê tais territórios como sendo da Rússia) e que tais demandas não poderiam estar sob o escopo de leis internacionais ou de leis regidas por organismos transnacionais, ou seja, na prática a teoria de Duguin diz que as nações do Oriente (sobretudo de caráter autocrático e expansionista/imperalista) assim como do resto do mundo (células aliadas da China e Rússia, como por exemplo Venezuela, Coréia do Norte, Irã) não deveria mais respeitar a ordem estabelecida (acordos e organismos celebrados controlados pelo Ocidente desde o fim da Segunda Guerra) e na prática tentam implantar uma nova ordem mundial que seja mais voltada para os interesses econômicos e geopolíticos de China e Rússia e que tenha maior comando dessas duas nações.
Exatamente por isso a teoria de Dugin (abraçada por Putin e Xi Jinping, rimam até nisso) elege os organismos ocidentais transnacionais como os “globalistas malvadões” que querem controlar o mundo, quando na verdade essas regras já são criadas e controladas pelo Ocidente há décadas e de comunistas não tem nada, pois são os organismos de regime democráticos e não de regimes autocráticos.
Não por acaso em todas as recentes eleições na Europa (Alemanha, França, Itália) vimos Putin apoiando políticos extremistas e anti união européia, não porque ele seja contra os comunistas, mas sim porque ele deseja destruir a coesão da união européia que é um dos principais entraves para o projeto hegemônico de uma nova ordem mundial que substitua a ordem atual, uma nova ordem na qual China e Rússia sejam protagonistas.
O mais importante de toda essa questão (e espero que o longo texto tenha ajudado o leitor ao menos a refletir sem paixões messiânicas sobre o tema) é que as pessoas reflitam não apenas qual lado estão defendendo, mas sobretudo se compensa defender qualquer estratégia de combate para derrotar o “inimigo”. Um exemplo prático disso é o plano de governo de Trump para um hipotético segundo mandato.
Quem, assim como eu, não aguenta mais o excesso de lacração (especialmente de grupos revanchistas cobrando “dívidas históricas”) e de cultura woke, certamente observou que o plano de governo de Trump para combater esses dois (na minha visão) problemas é muito bem organizado MAS, contudo, todavia, entretanto, o problema está na forma: lá no plano de governo está dito claramente que para combater essas questões ele precisa de super poderes, ou seja, um “plus” a mais para superar as barreiras contrárias e mais ainda: que o tal “deepstate malvadão” é só formado por aqueles contrários a Trump, ou seja, qualquer democrata ou republicano que não concorda com as idéias de Trump seria um suposto membro do deepstate malvadão tramando contra a segurança nacional.
Por mais que eu ache que não apenas os EUA como o mundo inteiro precisa brecar a agenda da lacração e da cultura woke, ainda assim isso não pode servir de pretexto para turbinar o poder de protoditadores em formação (como Trump) que desejam enfraquecer a democracia em nome de seus objetivos políticos pessoais (vale sempre lembrar que ele não apenas defendeu um inconstitucional terceiro mandato pra si enquanto tentava se reeleger como conspirou contra o resultado das eleições, são fatos, assim como o triplex e o sitio em Atibaia, provas cabais que nenhum revisionismo ou sambarilove jurídico vai mudar, fatos, simples assim).
Seja nas democracias, nas democracias em erosão ou nas autocracias instaladas, o controle da narrativa sempre será importante, pois é a população que produz as riquezas e as consome e sem essa dinâmica nenhum país consegue potencializar o seu poderia econômico e bélico no concerto das nações. Por isso que mesmo autocracias com feroz controle estatal sobre a internet (China e Rússia por exemplo) se preocupam em manter elevados níveis de aprovação e ao mesmo tempo tentam manipular a defesa de grupos numerosos em favor de interesses que sejam vantajosos para suas respectivas agendas geopolíticas (como no caso de Putin que tenta potencializar o discurso anti união europeia como algo “conservador”).
ESQUERDA/EXTREMA ESQUERDA X DIREITA/EXTREMA DIREITA
Afinal como definir os 4 espectros de uma forma minimamente honesta além do maniqueísmo e da doutrinação ideológica?
Para o eleitor médio (padrão) de Trump e Bolsonaro essa resposta é fácil: não existe extrema direita, só existe uma direita verdadeira formada por cristãos patriotas conservadores e todo aquele que não concorda com Trump ou Bolsonaro é um comunista e só existem comunistas/marxistas, ou seja, não existe “esquerda” “centro esquerda”.
Para um eleitor médio do petismo e seus satélites a resposta não será muito diferente: conservador é quem deseja conservar as desigualdades, não existe justiça social fora da esquerda, a direita representa os burgueses do mercado que desejam dominar a população e por isso a esquerda precisa controlá-los para salvar a população através do Estado. Quem não é esquerda é fascista.
Na prática todos os grupos políticos (seja de centro esquerda, extrema esquerda, centro direita ou extrema direita) apresentam formas diferentes de lidar com uma mesma questão: como as riquezas produzidas pelo mercado serão menos ou mais controladas pelo Estado (e mesmo na meca do capitalismo, os EUA, existirão regulamentações, parcerias e algum grau de controle pois é essa a função do Estado, o que muda é exatamente a gradação), o quão será facilitado o acesso de agentes privados (pessoas comuns) para empreender (menos burocracia, mais liberdades, leis claras e simples) e qual será a porcentagem (imposto) dessa riqueza produzida que será utilizada para as políticas de bem estar social.
Classicamente os grupos políticos de extrema esquerda se autoproclamam de esquerda (quando na verdade são extremistas hegemônicos) e o que os difere dos grupos de centro esquerda é que os extremistas possuem uma agenda hegemônica, ou seja, o objetivo deles alcançar o status de única força política no seu país (seguindo a risca o que está escrito no Manifesto Comunista de Marx), ou seja, em essência são antidemocráticos mesmo que tolerem a democracia, temporariamente, como um caminho para tentar alcançar a hegemonia de poder.
No campo econômico uma das estratégias mais adotadas por esses grupos em seus países é também marxista, ou seja, o manual do Manifesto Comunista na veia: buscam aliança com a classe produtora (os grandes empresários “burgueses”) e buscam alimentar super empresas (campeãs nacionais) que atendam seus interesses, abrindo espaço para diversos negócios com o governo. Ao mesmo tempo o excesso de burocracia e leis pouco favoráveis ao empreendedorismo dificulta que pessoas de fora desse círculo de aliança consigam realmente alguma proeminência. Com uma maioria esmagadora de trabalhadores ao invés de empreendedores é criada uma dificuldade sistêmica difícil de ser solucionada já que a maioria da riqueza serve para retroalimentar o governo (nesse caso confundido com a própria figura do Estado quando se perpetua) que muitas vezes recorre a saídas populistas de curto prazo mas que são a receita do caos no longo prazo: tentar suprir a ausência de empregos e sobretudo os próprios empregos com um salário decente através de medidas assistencialistas (necessárias cada vez em maior medida quando não há uma economia aquecida, em crescimento) criando artificialmente um fluxo comprador que não se equilibra com o fluxo produtor, o que a longo prazo gera pressão inflacionária, desvalorização monetária e desequilíbrio fiscal.
A grande diferença desse tipo de grupo político (extrema esquerda) para os grupos de centro esquerda está no fato que a centro esquerda não busca um projeto hegemônico de perpetuação no poder e muitas vezes governa em conjunto com a centro direita, como vimos na Alemanha e agora mais recentemente na formação do parlamento em Portugal. Além disso, a compreensão da centro esquerda, muito comum nos países nórdicos e também conhecidos como sociais democracias é a de que a riqueza do mercado produtor deve servir para suprir um alto padrão de políticas de bem estar social, ou seja, não mero assistencialismo, mas recursos como educação, saúde que permitam uma pessoa rapidamente se recolocar no mercado de trabalho e mais importante do que isso: a própria visão de que diferenças salariais enormes ou um “salário médio” que não supra necessidades básicas de alimentação e moradia é algo inconcebível.
Aliás essa é uma ótima medida para separar um projeto hegemônico de extrema esquerda de um projeto democrático de centro esquerda: no primeiro não há mínimo esforço para aumentar salários base e diminuir as diferenças entre funcionalismo público e privado, no segundo o objetivo é equilibrar não apenas o que ganham agentes públicos e privados, mas a própria diferença entre os cargos, ou seja, o salário na média entre o que todos ganham é muito mais próximo do que é pago a maioria e não à minoria. E depois tem gente que acha que assistencialismo é justiça social e que alguém ganhar menos de 2 salários mínimos pagar imposto é pro bem da coletividade....
Há uma clara diferença entre um grupo (extrema esquerda, uma esquerda populista e demagógica) que deseja utilizar a pobreza como ferramenta de fidelização do eleitor humildade para um projeto de perpetuação no poder e um grupo (centro esquerda, sociais democracias) que entende as políticas de bem estar social como uma ferramenta para permitir um Estado cada vez mais produtor e rico.
Nesse ponto a centro direita não difere muito da centro esquerda, o grande ponto está exatamente na gradação que esse grupo acredita que o Estado deve agir, ou seja, que deve buscar cada vez menos impostos e ser mais eficiente na utilização dos recursos públicos, permitindo que gradualmente as pessoas tenham maiores condições de economizar, empreender ou gastar (pois obviamente dessa forma darão um pouco menos de imposto ao Estado mas ao mesmo tempo terão maior responsabilidade e liberdade sobre os próprios recursos) e acreditam que esse ambiente com um pouco mais de liberdade na utilização dos próprios recursos financeiros tem melhores condições de criar um ambiente mais produtivo e próspero.
Não precisa ser nenhum gênio para concluir que se o comunismo é a utopia, a quimera da esquerda, ao mesmo tempo o libertarianismo é a utopia/quimera da direita, pois o problema e a solução não são o Estado em si mas sim a compreensão de que a coletividade em si sempre vai existir, com mais ou menos normas e sempre vai ter que coexistir, equilibrando aspirações pessoais com limites coletivos, aspirações, limites e liberdades que envolveram diferenças e pontos de vista diferentes.
Outro ponto relevante é que ao longo da história os projetos de caráter hegemônico (tanto da extrema esquerda como extrema direita) tiveram um caráter muito mais nacionalista do que de bem estar social, ou seja, disseminar a idéia de que a prosperidade é o cidadão ser parte ativa de um projeto que permita elevar o poder e riqueza nacional (no âmbito mundial a nível bélico e econômico), pois seria somente assim que o país poderia prover um bem estar social. Tanto na Alemanha da Segunda Guerra, como na Revolução Chinesa a partir de Xiaoping ou na recente Rússia de Putin essa foi a grande promessa: sobretudo direcionando a industrialização para um projeto de supremacia nacional no cenário global (indústria armamentista alemã na Segunda Guerra), máquina de crescimento imobiliário e venda de produtos no mercado internacional mesmo em troca de um salário de fome na China ou a política de direcionar as riquezas do petróleo para a recuperação tecnológica na Rússia de Putin.
Na prática os grupos políticos extremistas (de esquerda ou direita) sempre buscam uma retórica que justifique a sua permanência no longo prazo e normalmente exigindo sacrifícios da população em nome da “nação” (na verdade em nome das ideias do projeto hegemônico) enquanto que os grupos de centro ou democráticos (de esquerda e direita) aceitam as regras democráticas do jogo de poder com a natural variação de grupos políticos nos cargos de poder e exatamente por isso entendem que a sua principal arma é criar de forma mais efetiva um ambiente de produtividade e prosperidade.
Obviamente que a lucidez do eleitorado conta bastante, pois nas nações que majoritariamente são governadas pela centro direita ou pela centro esquerda são aquelas que o eleitor não compra o discurso maniqueísta do “nós contra todos os outros malvadões”, não compra o discurso da virtude inquestionável e especialmente cobra os políticos eleitos (seja de qual espectro for) compreendendo que é exatamente nos ambientes que a democracia está esfarelando (com um grupo buscando ampliação e perpetuação no poder) que a corrupção e centralização de poder torna a maioria cada vez mais pobre, com menos poder e ao mesmo tempo uma minoria cada vez mais concentrada e com maior poder.
Obviamente sem essa fiscalização é gradualmente nisso que a classe política de uma nação se transforma. E sejamos francos: depois de alguns meses ou anos de governo fica bem claro quando existe um projeto hegemônico que contrasta com os verdadeiros projetos políticos de caráter democrático.
Leiam, releiam e reflitam, pois o tabuleiro mundial vai muito além da idéia maniqueísta de que “defendo o bem, meu líder defende o bem, quem é contra nós é do mal”. Ninguém é 100% luz ou sombra e o nosso principal conselheiro deve ser a razão e a lógica dos fatos, conselheiros que evitam as ações motivadas apenas pela fé cega.
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